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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Occultus - Parte 1


Ao leitor

A história a seguir não se passa na Terra, mas num sistema planetário de uma galáxia que podemos simplesmente ignorar a localização. Apesar disso, por questões práticas, farei uso de elementos comuns para nós com o objetivo de facilitar a compreensão e a imersividade da narrativa.

De nada adianta inventar nomes estrambólicos para elementos similares daquela civilização como veículos automotores por exemplo. Aqui os chamamos de "carro", por lá talvez eles os chamem de "linspput". A tecnologia que os faz movimentar pode não ser a mesma que o nosso equivalente, mas este detalhe é irrelevante e não muda o fato de que o personagem foi embora usando um veículo. Assim quando eu disser que "Kevin entrou no carro e foi embora...", você saberá que ele está usando um veículo automotor equivalente ao nosso "carro". A mesma coisa vale para todos os outros elementos como ferramentas, roupas, sistemas de medida ou até mesmo o idioma que eles falam. Achei por bem focar mais no enredo do que gastar energia criando um universo alienígena inteiro apenas para colocar meus personagens dentro.

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Telescópio

Todd Hazelwood inventou o telescópio e maravilhou a todos no seu tempo. As observações que antes se limitavam a pequenos pontos brilhantes que o olho podia ver agora poderiam se estender ainda mais no horizonte através da abóboda do céu.

Muitos reclamaram a respeito da invenção alegando ser obra de alguma entidade maligna, já que observar coisas além de sua capacidade biológica era certamente uma invasão do território dos Antes, que seria o grupo de forças espectrais que supostamente criaram o Universo, o planeta Grindan e o Sol que o iluminava.

Em suas observações, Todd percebeu que haviam corpos errantes pelo cosmos. Ele se deu conta disso ao não se limitar a apenas a olhar o céu, mas a mapear a posição de todos aqueles pontos brilhantes. Alguns deles não seguiam o restante, se deslocando de forma até que meio louca, em zigue-zague. A matemática necessária para desvendar tal mistério ainda não existia, então no resto de sua vida ele se limitou a criar um vasto banco de dados com a posição de todos aqueles pontos brilhantes que seu maravilhoso telescópio lhe permitiu enxergar.

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Laurel Wharton, nasceu cerca de cento e vinte anos depois da morte de Todd e desde cedo demonstrou interesse pela ciência do espaço. Aos quinze anos, utilizando uma versão mais aprimorada do telescópio, conseguiu ver nitidamente que aqueles corpos errantes eram na verdade, planetas. Aos vinte anos, já tinha desenvolvido a matemática necessária para calcular a trajetória daqueles corpos e por causa disso a Lei Universal da Gravitação é atribuída a ela até hoje.

Sua carreira como cientista estava indo a todo vapor até que ela publicou um texto um tanto quanto controverso. Após estudar atentamente a trajetória de todos os planetas, ela concluiu que todos eles orbitavam em torno daquele Sol que iluminava seu mundo. Imediatamente, todas as organizações religiosas publicaram duras críticas a respeito destas afirmações e até mesmo a comunidade científica ficou com um pé atrás, por temer profundamente a ira dos Antes. Naquela época, o misticismo ainda dominava o mundo científico e por causa disso pouco avanço científico se fez. Laurel foi desacreditada por contrariar as escrituras que "mostravam" claramente que tudo girava em torno de Grindan e suas descobertas deixaram de ser publicadas no meio científico.

Laurel morreu aos 85 anos, sozinha em sua casa.

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- 1 -

A excitação de toda equipe era fantástica. Pela primeira vez estavam prestes a pisar em outro planeta. As missões não tripuladas anteriores mostraram que a temperatura e a atmosfera daquele mundo era muito similar ao deles, porém curiosamente estéril. As imagens das sondas mostravam um céu de cor diferente, uma névoa constante porém não muito densa e apenas rochas. Nada de lagos, rios, nem oceanos. Somente rochas.

A tarefa de transmitir dados daquele planeta em particular exigiu um trabalho fora do comum. A equipe liderada pela engenheira Alice Olivetree desenvolveu a solução baseada no fenômeno de reflexão das ondas. A mesma solução acabou sendo utilizada no próprio planeta que vive, permitindo assim a comunicação digital global. Esta solução consiste em um aparato posto em órbita, dotado de uma antena em formato parabólico que reflete as ondas eletromagnéticas que nele incidem. Um refletor orbital. A idéia, aparentemente simples, rendeu-lhe diversos prêmios e reconhecimento no meio científico, tornou possíveis as missões Occultus 1 e 2, além da missão tripulada Seeker, que estava a ponto de ter sua etapa mais importante concluída.

- Preparando para estacionar Seeker 1 na órbita mais alta. - diz a voz do comandante Harrison ecoando pela sala de controle da unidade espacial. Um local cheio de pesquisadores, terminais de computador e telas, uma gigante no meio da parede e outras menores ao redor, onde muitos dados vindo da nave principal eram processados e vistos numa velocidade incrível.

Por causa da distância, toda comunicação tinha um delay de 16 minutos entre a transmissão e a recepção. As imagens das 15 câmeras instaladas na nave principal e na secundária transmitia ininterruptamente a cerca de 40 minutos, tão logo iniciou-se a aproximação da órbita mais alta. Neste momento, a nave preparava-se para entrar em órbita estável e permitir a descida do módulo planetário Seeker 2, onde iam dois cientistas. O comandante Harrison ficaria na nave aguardando o retorno dos dois em cerca de seis horas.

Esta missão, além de marcar um feito histórico, iria ser o começo de um estudo mais completo para permitir a construção de uma base permanente objetivando uma pesquisa mais ampla deste recém descoberto planeta. Um grande avanço para a ciência seria advindo desta missão. Para Joseph, astrônomo chefe que liderou todas as missões envolvendo o planeta Occultus, era o momento mais importante para sua espécie e ele estava igualmente ansioso, talvez o mais ansioso de todos, provavelmente por ser ele um dos personagens principais na descoberta da existência desde planeta.

-Órbita estabilizada com sucesso! - disse a voz do comandante ecoando pela sala. Joseph e Alice se olharam com um sorriso amplo no rosto. Alice queria pular de alegria, mas tinha que se conter para não parecer boba diante de toda a equipe, mas dava para ver um pequeno brilho em seu olhar, o brilho de uma lágrima. O brilho da emoção.

Os dois astronautas desprenderam seus cintos e começaram a se preparar para adentrar ao módulo Seeker 2 para iniciar a descida. Checaram todos os seus equipamentos, entraram na câmara de descompressão que já estava com a porta aberta e puseram seus capacetes. A informação sobre o status da roupa e todos os sensores que ela possuía podia ser vista refletida no visor do capacete: Oxigênio, pressão interna, vedação da junta do capacete, temperatura corporal, batimentos cardíacos, pressão sanguínea.

-Yemane? - Ela ouve a voz do comandante Harrison dentro de seu capacete. Observa as luzes verdes que brilham em seu painel interno e responde - Tudo OK!

-Joris? - Ele também olha para seu painel - Tudo OK!

-Ok. Iniciando processo de nivelamento.

Assim que Harrison pressiona o botão em seu painel a porta por onde os astronautas entraram na câmara começa a se fechar. Os dois estão bem tensos agora, pois estão prestes a fazer o que nenhum habitante de Grindam jamais imaginou ser possível. Yemane começa a se lembrar de todo o processo que passou na academia espacial desde o início das missões Occultus há cerca de 10 anos. Lembrou-se de toda emoção que sentiu a cada etapa que conseguiu superar e do apoio incondicional de sua família -Seus batimentos estão alterados - alertou a voz em seu capacete. Ela não podia enxugar as lágrimas por causa do visor, então foi com os olhos cheios de água que ela passou pela escotilha que agora se abria à sua frente. Os dois entraram no módulo Seeker 2.

-Vamos fazer a inicialização dos sistemas? - perguntou Joris.

-Não é necessário - respondeu Harrison pelo microfone - A nave já está pronta para partir. Basta que se acomodem.

Os dois sentaram-se nas poltronas que ficavam diante do painel de controle. Havia uma grande janela de vidro reforçado em sua frente que os permitia ver o planeta logo abaixo. Sua visão era ao mesmo tempo maravilhosa e aterradora. Sua coloração era de um cinza escuro quase negro.

-Parece que vamos mergulhar em um abismo de escuridão - disse Yemane.

-Não se preocupe. Apesar da aparência, o planeta é bem iluminado de dia. Quer dizer, bem não, mas a luz é suficiente - respondeu Joris.

-Eu sei. Eu lembro das fotos e vídeos das sondas que vieram antes de nós. Acho que só estou insegura.

-Mas você esperou tanto por isso, Yemane. Nós esperamos tanto por isso.

-Atenção - diz o comandante dentro de seus capacetes - Preparar para desacoplar em 5... 4... 3... 2... 1... - Um forte solavanco sacode a nave. Joris assume o comando do manche em sua frente.

-Iniciando os motores, preparando para entrada - diz Joris pressionando um botão no painel que faz aparecer um desenho na janela de vidro. O desenho mostrava exatamente onde era a janela de reentrância, seu trabalho era basicamente guiar a nave seguindo aquelas indicações. A aceleração violenta os fez ficar praticamente grudados nas poltronas. Assim que chegaram a velocidade final, Joris iniciou a descida.

Assim que começou a entrar em contato com a atmosfera, a nave começou a vibrar. Inicialmente fraco, mas quanto mais eles mergulhavam, mais violento ficava. As proteções sob a nave começaram a incandescer e era possível aos dois ver as fagulhas passando pelo vidro. Yemane apertava fortemente os braços da poltrona pelo nervosismo, mas não fechou os olhos. Queria ver tudo, queria sentir tudo. As fagulhas aumentaram e se transformaram numa parede de chamas que cobriram toda as janelas. Subitamente o tremor cessou e o fogo desapareceu. Eles tinham adentrado no planeta.

Joris reduzia a velocidade da nave gradualmente e agora ele procurava pelo local de pouso, que também aparecia como um desenho na janela de vidro. Não era possível ver a superfície direito. Abaixo deles uma névoa se espalhava pela superfície de todo o planeta, mas à medida que se aproximavam a visibilidade melhorava -Estranho isso, não é? De longe parece uma névoa densa. Mas de perto não é bem assim - disse ele.

-Sim - respondeu Yemane - por causa disso o escaneamento orbital foi possível.

-Veja! Alí está o ponto de pouso - disse Joris apontando para uma planície logo à frente deles.

Ele baixou os amortecedores e redirecionou os propulsores para baixo. Assim ele pode planar sobre a área indicada e começar a descida.

-Todos os sistemas ok - disse o comandate Harrison - Posso ver daqui que está tudo sob controle.

-Sim - respondeu Joris - Estamos concluindo o pouso.

A nave pousou com um pequeno solavanco. Muito menor que o primeiro quando a nave se desprendeu da principal. Assim que ela parou, os dois trataram logo de destravar os cintos e se levantaram. A sensação de sentir a gravidade de novo, depois de oito meses no espaço era reconfortante.

-Verifiquem novamente seus trajes antes de sair - disse o comandante.

-Porque temos que usar trajes num planeta que parece com o nosso? A atmosfera não é igual? - perguntou Joris.

-A atmosfera é igual, mas por acaso você sabe se tem algum fator biológico desconhecido de nós aqui? Robôs não ficam doentes, além disso as sondas não vieram preparadas para identificar microorganismos potenciais.

-Tudo bem. Entendi.

Yemane se prepara para sair. Pega sua maleta e se posiciona ao lado da porta traseira do módulo. Num painel pequeno um botão brilhante com a inscrição ABRIR aciona a abertura da porta. Assim que as duas placas de metal começam a se afastar, uma escuridão penetra na nave através da fenda como uma fumaça negra e atravessa os dois tocando diretamente em suas almas. Os dois não tem tempo de reagir. Não há gritos. Não há fuga. Não há nada.

Dois corpos inertes caem ao chão.

Silêncio.

[Continua...]