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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Minha Escuridão


É noite. Uma noite de uma escuridão muito profunda. O céu está completamente coberto de nuvens e mal dá pra ver a luz da lua. Chove muito. Um vento gelado faz arrepiar todos os pelos do corpo completamente molhado de Thomas. Ele foge. As ruas estão muito mal iluminadas e monstros o perseguem pela escuridão. Monstros que ele pode ver à espreita em todos os cantos. Não há pessoas na rua, está tudo deserto, mas é possível ver o vermelho cintilante dos olhos das bestas nos cantos escuros e becos. A luz do poste sobre sua cabeça se apaga e ele ouve um rosnado muito próximo de si. Ele corre, mas a cada poste que chega a sua luz se apaga. Alguma coisa o persegue, dá pra ouvir o peso dos passos da besta. Quase dá pra sentir o bafo da respiração daquele mostro que corre em seu encalço. Thomas grita, mas seu grito sai mudo. As casas ao redor estão com as luzes apagadas, como se não houvesse ninguém naquela cidade maldita.

Sentindo muito frio ele procura desesperadamente um lugar onde possa fugir. Thomas olha para a direita e consegue ver um prédio com aparência muito antiga. Há luz em seu interior e a porta está aberta. A luz sempre afasta aqueles demônios, ele sabe disso. Desde pequeno é assombrado por estas criaturas da escuridão e estava cansado de fugir. Cansado de viver com medo das trevas. Ele corre o mais rápido que consegue, entra no edifício e bate a porta atrás de si com toda a violência, trancando-a.

Por um instante ele fica segurando a porta fechada com as duas mãos e tenta ouvir o que está acontecendo do lado de fora, mas ouve somente seu próprio coração batendo violentamente no peito, sua respiração e o barulho da chuva forte batendo na janela. Ele se vira, apoia as costas na porta e deixa seu corpo escorregar até sentar-se no chão. Sua respiração ainda é ofegante e por isso resolve descansar um pouco ali e explorar um pouco mais aquele lugar. Um brilho muito forte invade as janelas do local, seguido de um estrondo ensurdecedor - Um raio! - pensou. Imediatamente todas as luzes do local se apagam. A energia foi embora.

Thomas sente um frio muito profundo subir-lhe pela espinha e experimenta o medo em sua forma mais pura. O local está tomado pelas sombras e os monstros, agora, estavam à espreita. Ele se levanta e vai ate a janela mais próxima. Não há cortinas. A água da chuva bate violentamente no vidro e escorre numa cascata torrencial. Não é possível ver nada por causa do escuro e por isso prefere ficar ali mesmo, onde pelo menos a chuva não o molha mais. Apesar do medo que sente ele resolve procurar por alguma coisa que possa iluminar aquele local. Lembra-se do celular e enfia a mão no bolso à sua procura, mas o que encontra é um objeto retangular completamente molhado e inútil. - Merda! - resmunga para si. Sem nada para iluminar seu caminho, resolve ir andando tateando pela parede.

Enquanto caminha ele ouve um animal rosnando. O rosnar ainda está longe, mas bastante audível e se aproxima mais à medida que ele caminha. Ele sente um cheiro de mofo no ar daquele lugar, como se ele estivesse fechado há bastante tempo e sente também um pouco de umidade nas paredes. O rosnado se aproxima e Thomas se sente cada vez mais aflito. Ele tenta caminhar o mais silenciosamente possível, mas sabe que aquelas criaturas malditas, tal como os cães, podem sentir o seu cheiro. Algumas tábuas no chão rangem com o seu caminhar o que faz o rosnar se aproximar um pouco mais. Seu coração acelera, sua respiração fica mais ofegante. Finalmente ele encontra uma porta. Ela não está fechada, apenas encostada. Ele empurra a porta e entra rapidamente, fechando-a atrás de si segurando a maçaneta, evitando o barulho do clique. Thomas respira fundo e solta o ar devagar para se acalmar.

Ele tateia pela sala, já que não consegue ver absolutamente nada, e percebe que nela há uma mesa do lado esquerdo ao lado da porta, e que à frente desta mesa há uma janela de vidro. Passa as mãos pela mesa, tentando encontrar algo que possa usar para iluminar o lugar e encontra uma gaveta. Dentro da gaveta é possível sentir que há uma pistola. Ele sabe que é uma pistola porque ela não tem um tambor. Ao lado da pistola, um pente carregado. Tateando, dá para perceber que a pistola está sem o pente, então Thomas insere o pente na cavidade do cabo até sentir o clique da trava e puxa o slide para introduzir uma munição na câmara da pistola. Enfia a arma na cintura da calça que veste, continua tateando pela mesa e encontra uma outra gaveta abaixo daquela. Dentro desta gaveta ele consegue sentir uma faca. Não tem mais nada além da faca e não dá para simplesmente enfiar uma faca no bolso. Ele a apoia em cima da mesa para decidir o que fazer em seguida.

Thomas continua pesquisando aquela sala escura e segue avançando por ela. Mais um pouco ao fundo ele sente que existe uma espécie de estante de aço. Ele sente o frio do metal com as pontas dos dedos e os percorre por aquelas prateleiras geladas. Sua mão toca em algo. Algo com formato cilíndrico. Sim! É uma lanterna! Infelizmente ela não funciona. Por estar leve demais ele logo supõe que faltam-lhe as pilhas. Mas onde diabos ele iria encontrar pilhas numa sala completamente escura? Não é necessário procurar muito. Não muito longe de onde a lanterna estava ele consegue sentir dois objetos cilíndricos menores frios ao toque, indicando que seriam metálicos. Desta vez, porém, ao tentar pegá-los, os objetos acabam rolando pela prateleira e caem no chão à sua frente - Era tudo o que me faltava - pensa ele abaixando-se imediatamente para tentar encontrar as pilhas. Uma brisa fria passa por sua nuca e o faz parar. Não é possível ouvir barulho algum. Thomas sente os pelos do corpo se arrepiarem, sente uma presença na sala, não pode ver nem ouvir nada mas ele sabe. Ele não está sozinho.

A procura pelas pilhas segue agora num ritmo frenético, quase desesperado, era necessário iluminar aquela sala ou então a morte o esperava de braços abertos. Suas mãos tocam em algo no chão e ele logo percebe que encontrou as pilhas. Rapidamente ele abre o compartimento traseiro da lanterna e introduz as pilhas ali, sentindo o polo positivo com a ponta do dedo. Fecha o compartimento e se levanta acionando o botão para acender a lanterna. Uma forte luz é projetada em direção ao teto e Thomas sente o coração congelar ao ver que em sua frente, não mais do que alguns centímetros, um daqueles monstros está olhando fixamente em seus olhos. Subitamente, num impulso, sua mão vai até a cintura pega a pistola e numa velocidade incrível ele aponta e dá um tiro abaixo do maxilar daquela criatura, estourando a parte de cima de sua cabeça. O barulho do disparo é ensurdecedor e o faz fechar os olhos. Uma massa de cor negra de odor fétido se espalha pelas paredes e pelo teto da sala.

Thomas se abaixa e se encolhe no canto da sala logo atrás de si por alguns instantes, enquanto o zunido no seu ouvido vai diminuindo gradativamente. Sua respiração está extremamente ofegante, fazendo o feixe de luz da lanterna que ele aponta para a porta tremer. Após se acalmar um pouco o zunido em seu ouvido desaparece e ele volta a ouvir um silêncio ensurdecedor. Levanta-se e resolve vasculhar o restante da sala. O mau cheiro vindo daquele monstro morto à sua frente o obriga a usar a camisa para proteger o rosto. Ele se vira. Ao lado da estante de metal há um arquivo, também metálico. Ele tenta abrir a primeira gaveta, mas ela está trancada. Tenta a segunda, mas também sem sucesso. A terceira gaveta, porém, abre sem nenhum esforço. Dentro dela só existe uma pasta suspensa e mais nada. A pasta não possui rótulo e esta vazia. Segurando a pasta na mão uma ideia lhe vem à mente como num lampejo.

Thomas se vira e retorna à mesa onde apoiou a faca há poucos instantes. Ele apoia a pasta na mesa e fica encarando os dois. Logo ele começa a rasgar a pasta suspensa, dobrando o papelão em alguns lugares, usando a faca como molde e acaba por criar uma bainha de papelão, mas como não tem uma fita adesiva para segurar o papelão no lugar, decide prender seu origami na meia, que apesar de estar molhada, ainda está bem justa ao seu tornozelo. Ele suspende a perna da calça, estica um pouco a meia e ajusta a faca com a bainha ali, baixando a perna da calça em seguida. O mau cheiro está ficando insuportável e ele precisa sair daquela sala. Passa com muito cuidado por cima do corpo que jaz sem vida à sua frente, abre a porta com muito cuidado e sai fechando-a atrás de si, novamente evitando o clique segurando a maçaneta.

Agora armado, ele segue pelo corredor segurando a pistola com uma mão e a lanterna com a outra ambas apontando para a frente. Segue avançando lentamente, evitando fazer barulho. Um rosnado recomeça baixo à sua frente. Ele não consegue saber a distância exata, mas percebe que ainda está longe dele. Thomas começa a ficar nervoso e acelera um pouco os passos procurando um lugar para se proteger. Os corredores daquele lugar não lhe oferecem proteção alguma. Ali ele se sente completamente vulnerável. O feixe da lanterna ilumina uma porta à sua esquerda e imediatamente ele vai até ela. A porta, entretanto, está trancada e ele precisa seguir em frente. O corredor termina e ele se vê numa espécie de saguão. Para frente há um novo corredor e dos lados, escadarias levam para o pavimento superior.

Enquanto iluminava a escada, Thomas não percebe a besta que avança em sua direção, acertando-lhe um golpe violento. Seu corpo é projetado para direita e bate com força nos primeiros degraus da escada. A lanterna solta de sua mão e cai virada para ele, ofuscando sua visão. Uma dor lancinante percorre seu corpo e o desespero toma conta de si quando ele percebe o rosnado forte se aproximando dele. Sem conseguir ver direito e em completo desespero, Thomas dá três tiros na direção do rosnado. Ele ouve um baque abafado, como um corpo que cai e o barulho cessa.

Com um certo esforço ele se levanta, pega a lanterna no chão e aponta para o lugar onde o monstro estava. Um mau cheiro começa a tomar conta do ar e diante de si está o corpo daquela criatura já sem vida. Ele resolve subir as escadas e procurar no andar superior por algum lugar para se esconder até o dia amanhecer. Após subir dois lances de escada, Thomas se vê novamente diante de um corredor que se estende para ambos os lados. Porém diante dele há uma porta. Ela também está trancada, mas possui uma janelinha de vidro. Ele resolve quebrar o vidro com a coronha da arma, enfia o braço e destranca a trava da porta. Com a ajuda da lanterna ele vasculha o lugar.

Existem quatro camas alinhadas. Duas de cada lado. As camas possuem corpo metálico e estão arrumadas. Ele caminha pela sala e vê um armário ao fundo. As portas do armário estão trancadas. O cansaço que ele sente é imenso e por isso resolve se dirigir a uma das camas para deitar um pouco. Ao se virar, sente um bafo quente atrás de si. Thomas dá um pulo para frente se virando a apontando ambos a lanterna e a pistola. Dois monstros surgiram do nada atrás de si, como se tivessem saído debaixo da cama. Apesar do susto, ele tenta manter o sangue frio e dá somente dois tiros. Um para cada, na cabeça. Aquela sala já não está mais segura e o odor fétido que exala daquelas criaturas também o obriga a seguir. Ele sai da sala e segue pela esquerda.

Após sobreviver a três ataques, Thomas começa a se sentir mais seguro e não toma mais tanto cuidado ao caminhar. Já anda com um pouco mais de velocidade. Tem confiança na arma que carrega. Uma outra sala surge do lado direito. Ele abre a porta, mas algo empurra a porta com força fazendo-o cair para trás, batendo as costas na parede do lado oposto do corredor. Alguma coisa com uma força tremenda golpeia a porta violentamente. Thomas fica paralisado sem saber o que fazer. Uma vez após a outra a porta recebe golpes violentos até que subitamente os golpes cessam. Ele respira fundo e começa a se levantar lentamente, olhando fixamente para a porta com o feixe da lanterna apontado para ela. A maçaneta gira e ele ouve um clique. Thomas aponta a pistola e dispara quatro vezes, perfurando a porta.

De pé diante da porta perfurada, Thomas aguarda por alguns instantes sem ouvir barulho algum. Ele resolve abrir a porta para verificar se aquela criatura está realmente morta. Respira fundo, pega na maçaneta gelada e gira. Ele ouve o clique e a porta começa a abrir. Mas assim que ele empurra um pouco a porta, algo a puxa bruscamente escancarando-a de vez. Thomas toma um susto imenso ao ver diante de si um monstro de proporções grotescas como ele jamais havia visto. Aquele mostro começou a fazer um barulho ensurdecedor e olhou para ele com os olhos vermelhos, como que em brasa. Não há muito o que pensar e Thomas imediatamente põe-se a correr com aquela besta em seu encalço. Enquanto corre, ele ainda dispara duas vezes tentando acertar o monstro, mas nada parece para aquele demônio.

Correndo o máximo que pode, usando todas as suas forças, ele consegue ver ao longe uma claridade muito suave e percebe que existe uma porta entreaberta no final do corredor. Do lado de fora uma luz suave brilha - O sol esta nascendo!!! - grita ele enquanto corre. A criatura possui uma força imensa e consegue correr a uma velocidade imensa e logo ela está muito próxima dele. O monstro dá um golpe, mas não consegue acertá-lo. Ele consegue sentir o vento deslocado pelo golpe que a fera desferiu. Um segundo golpe, porém, consegue acertar sua perna esquerda, fazendo-o tropeçar e cair. A arma solta de sua mão e escorrega parando a cerca de um metro de distância dele. Sua perna dói muito e ele não consegue se levantar. Thomas se arrasta, alcança a arma, vira o corpo rapidamente, mira a cabeça daquela criatura e numa fração de segundos ele sente todo o seu sangue gelar. O tempo ao seu redor parece desacelerar rapidamente até congelar. Ele consegue ver nitidamente aquela aberração voando em sua direção e aperta o gatilho. O terror toma conta dele ao perceber que a pistola não possui mais balas.

Aquele mostro que o perseguia, agora cai com tudo em cima dele. Com uma pata sobre seu peito, aquela besta faz um urro altíssimo e olha em seus olhos com um ódio incrível. O animal, suspende a outra pata e se prepara para lhe golpear quando Thomas se lembra de algo. Rapidamente ele dobra a perna para alcançar a faca que guardou presa à meia, puxa ela da bainha improvisada e a enterra com toda violência no pescoço daquela criatura. O monstro tomba para o lado num ato de desespero, se debate nas paredes do corredor e em poucos instantes seus movimentos reduzem-se apenas a respiração agonizante. Thomas desmaia.

O calor do sol bate no seu rosto fazendo-o despertar. Ele está completamente confuso e não sabe o que aconteceu. Thomas olha para o lado, vê a pistola e começa a se lembrar da noite terrível que passou. Sente dores no corpo todo e lentamente levanta-se. Ao olhar para frente ele não vê o corpo de um monstro, mas o corpo de um homem. Era um homem de grande estatura e forte. Tinha uma faca cravada em seu pescoço e seu corpo jazia numa poça de sangue. Thomas fica confuso e corre novamente, voltando para o lugar de onde veio. Na sala onde ele matou os dois monstros, haviam duas pessoas mortas. Ele começa a ficar desesperado e desce as escadas. O corpo de uma mulher está no térreo, ao pé da escada. Lágrimas escorrem de seu rosto e ele não entende o que está acontecendo. Começa a caminhar pelo lugar sem conseguir pensar direito e começa a ouvir um choro ao longe. Parece um choro de criança.

Ele começa a procurar a origem daquele choro e vasculha sala por sala, até que numa sala vazia, sem móveis, ele encontra uma garota encolhida no canto, chorando. Ela veste um vestido florido encardido e segura um ursinho azul, igualmente encardido. Thomas é tomado pela emoção e corre para abraçar aquela criança, completamente em prantos. Ele se abaixa e acolhe a criança em seus braços, apoiando a cabeça dela em seu ombro, dizendo que vai ficar tudo bem e que a levará para fora daquele inferno em segurança.

A polícia chega ao local e encontra corpos e muito sangue nos corredores e nas salas.
Numa sala sem móveis, no térreo, eles encontram um corpo. O corpo de um homem.

Ao lado do corpo, um urso de pelúcia encardido.

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PS. Neste conto tive a importante ajuda de um grande amigo aficcionado por militarismo, Rodrigo Lyra Aranha. Através de sua consultoria foi possível descrever as cenas de manipulação e uso de uma arma de fogo e de uma arma branca sem fugir da realidade.