A música que desta vez compartilho com vocês é a música Snark da banda brasileira Kernunna. A banda, que tem como principal estilo o folk metal, foi formada em Varginha, Minas Gerais, em 2012. A banda nasceu com a iniciativa de Bruno Maia, vocalista da banda Tuatha de Danann – uma das bandas expoentes do gênero no Brasil. A música pertence ao único álbum da banda até então, o The Seim Anew lançado em 2013. Abaixo deixo o vídeo e a tradução da letra da música:
Snark
Aqui eu estou novamente em perseguição
Assombrado por uma coisa que eu estou procurando cego e obcecado há muito
tal um
quebra-cabeça, como um sonho -
Estou perseguindo ou sou eu quem está sendo caçado por alguém?
Não há nenhuma pista - Estou andando em círculos há muito tempo
perseguindo dia e noite, sem cansaço, no entanto
Pesadelos crescentes, medos crescentes
Alimentando Esperanças e semeando sorrisos - Não importa os humores e estados de espírito
Encarando muros e chacoalhando mãos
ainda não sabendo o que está faltando nesta falta de sentido, pode apostar
Até mesmo a minha língua não molda o que minha cabeça imagina e cria
Como posso conceber tal mundo dentro desta tempestade?
É como se eu estivesse caçando o velho Snark
Uma chama súbita irrompe na escuridão
Em seguida, dois passos para trás em direção a lugar nenhum
porque eu nunca saí do lugar
Até mesmo a minha língua não molda o que minha cabeça imagina e cria
Como posso conceber tal mundo dentro desta tempestade?
sonhos, sons, Mente
UH... É sem sentido, eu estou ficando cansado
Um turbilhão de imagens que nunca correspondem
Uma trilha que se baseia em um pretexto
Então qual é o ponto? Devo apenas seguir em frente?
A letra é uma construção rica e bastante madura. Ela aborda a indeterminação... o impalpável. O próprio Bruno Maia comentou sobre ela no extinto site Kernunna.net:
“Esta é um diferencial super positivo no disco. Ela não tem nenhum instrumento folk (até tinha, mas tivemos problemas com uns arquivos e não tínhamos tempo pra gravar de novo etc…) e se alguém escutar esse som apenas, pensará que o Kernunna pratica um outro tipo de som. Mas sem essa música o disco perderia muito. Ela soa diferente do resto todo, mas a acho muito bonita e o Khadhu arrasou nessa música, tanto no baixo fretless como nos vocais…quando ouvi o que ele gravou fiquei espantado, ele é um monstro!! Eu gravei os teclados base dessa música e nosso amigo Rafael Castro fez todas as linhas e solos. Acho que é a letra mais profunda do disco, a mais legal. O título é retirado do The Hunting of the Snark do Lewis Carrooll. Snark é uma palavra valise que ele criou, como muitas outras, que une os dois significantes Snake (serpente) + Shark (tubarão), mas é também uma alusão à impossibilidade da definição máxima de tudo que nos cerca, essa coisa de nem mesmo nossa língua representar devidamente o que sentimos e o que vemos. É um dos dramas que acompanha o homem desde os primórdios: não se encaixar e não ver sentido nas categorias e estruturas da vida e do mundo em que ele está. Snark é o inalcançável.”
O livro de Lewis Carroll (autor de Alice no País das Maravilhas) de quem Bruno fala, conta a história de um grupo de 10 caçadores que vão em busca do Snark. No caminho um deles fala se recordar que uma vez o seu tio o tinha alertado que se o Snark fosse da espécie Boojum, ao ser encontrado ele iria desaparecer e nunca seria encontrado de novo. No fim do poema esse mesmo rapaz finalmente encontra o Snark, mas quando grita para avisar aos outros para verem, ele não estava mais lá, nem nunca mais estaria.
Quem jogou o jogo The Witcher 3: Wild Hunt pode se lembrar do NPC que fica numa montanha na costa esperando observar uma baleia branca rara, mas que nunca a vê porque perde a atenção por um momento para responder o nosso personagem controlado, o Geralt. Essa cena é uma clara referência ao Snark de Lewis Carroll.
Como retrata a letra,
Snark é aquela ideia que às vezes nos fascina e acreditamos na sua
possibilidade e buscamos a entender, mas no fim se
percebe que não se chegou a lugar algum. Tentar caçar o Snark é
como tentar agarrar os raios de sol, por um momento pode-se pensar
que os temos nas mãos, mas quando as abrimos estamos com as mãos
vazias. Ou quando pensamos no infinito, por algum momento podemos achar que compreendemos a sua grandeza, mas aí nos damos conta de que nem estávamos perto.
A linha “Estou perseguindo ou sou eu quem está caçado por alguém?” me fez recordar da cena clássica do filme Amnesia (Titulo original: Memento) que exemplifica bem isso e também aborda a temática da música.
Além disso, pode ser intencional ou não mas a parte que eu traduzi como “uma trilha que se baseia em um pretexto” do original “A pretend reason leading track”, se formos tentar traduzir de forma literal acaba por si tornar também um Snark. Eu fiquei um bom tempo tentando transcrever o sentido literal para o português. Essa dificuldade dá sentido a letra da música quando diz:
“Até a minha língua não molda o que minha cabeça imagina e cria
Como posso conceber tal mundo dentro desta tempestade?”
É incrível a criatividade e todas essas camadas de informações que essa rica letra tem pra oferecer.