Não deixe de comentar, seu comentario é nosso incentivo!!!

domingo, 27 de janeiro de 2013

Conto: Últimos Instantes


O Sol ainda não nasceu, mas o céu já está claro o suficiente para tornar possível ao homem ver as coisas ao seu redor. Ele se levanta. Suas costas doem e o corte em sua testa lateja.

Estava escuro quando ele tomou a decisāo e resolveu subir alí, agora ele está cercado pela luz e pelo barulho dos carros que passam. Ele se dirige até a beirada e se inclina um pouco para ver o abismo à sua frente. Um pássaro pousa no batente ao seu lado e o encara. Por um instante ele hesita, imaginando que talvez aquele pássaro pudesse ver através de seus olhos as coisas que passam em sua cabeça.  Certa vez ele ouviu alguém dizer que os olhos eram o espelho da alma.

Apesar de toda a confusāo que lhe passava pela cabeça, uma idéa fixa o perseguia. Inicialmente absurda, mas agora, olhando para baixo, ele percebeu que a idéia começava a ficar verdadeiramente atraente, principalmente depois do que ele viu, ouviu e sentiu.

O pássaro olhava-o sem julgamento, mas seu olhar era profundo e deteve o homem por alguns instantes. Minutos intermináveis se passaram até que o pássaro virou-se e passou a olhar a cidade como se buscasse por algo. Algo que não estava ali. Algo que ele não encontrara naquele homem.

O homem apoiou os braços no parapeito e subiu. Ele estava ali, com todos aqueles edificios, casas e carros sob seu pés. Sentiu uma sensaçāo de poder que jamais sentira antes. Sentiu que nada podia ser maior que ele agora. Sentiu que era imortal. Abriu os braços, fechou os olhos e ficou lá. De pé. Com o vento a balançar seus cabelos e a alisar sua pele através da camisa semi-aberta que vestia.
Abriu os olhos e não viu o pássaro mais lá e de súbito uma tristeza profunda se abateu sobre aquele homem. Ele não era livre como aquele pássaro. Ele estava preso em sua propria carne. Preso em seu corpo. Preso na sua mente.

O homem, de pé sobre o parapeito do terraço começou a chorar. As lágrimas desciam-lhe pelo rosto e ele não se incomodava em enxugar. E foi assim, de braços abertos e com os olhos cheios de lágrimas que ele se deixou lançar ao vazio.

No instante em que seus pés deixaram de tocar o batente, um filme passa em sua cabeça. Ele pôde ver quando era criança, as brincadeiras que fazia com seu melhor amigo. Viu sua mãe afagando-lhe a cabeça enquanto ele chorava em seu colo pela morte do pai. Viu as coisas que fez quando era adolescente: a primeira vez que fumou um cigarro; o primeiro gole de cerveja. Viu sua primeira namorada. Lembrou da insegurança que sentiu no primeiro dia de estágio. Lembrou da sensação que sentiu quando foi contratado. Do primeiro elogio que recebeu do chefe. Viu sua primeira viagem de avião. Viu também o acidente de carro que quase o matou. Quase, porque estava com o cinto de segurança, mas ela não.

Tudo isso ele viu e o tempo congelou, pois estas coisas lhe passaram pela cabeça como que num flash e ele ainda estava bem no alto quando abriu os olhos de novo e olhou para o Sol que acabava de nascer no horizonte. O brilho da luz era forte, obrigando-o a estender a mão. Ele estava caindo, sim, mas era como se não estivesse. Para ele, tudo havia parado. Os carros não faziam mais barulho. As batidas e marteladas da construção civil haviam parado. O vento parou de soprar. Tudo congelou, mas ele estava alí, consciente de tudo. Ele e o pássaro, que reapareceu a voar de seu lado. Naquele instante, em plena queda livre, o homem percebeu que por detrás dos olhos daquele pássaro, estavam os olhos dela. Ela, a quem ele deveria proteger, mas havia falhado miserávelmente. Ela, que tirou o cinto para pegar algo no banco de trás. Algo esse que ele mesmo pediu para que ela pegasse.

Ao se lembrar disso ele se deu conta de que tudo o que acontece na vida, é resultado de uma cadeia de eventos. Se ele tivesse deixado a chave cair no chão antes de entrar no carro, este atraso de 5 segundos teria feito o outro carro onde ele bateu ter passado direto em sua frente. Se o outro motorista tivesse derramado café na camisa antes de sair, ele não estaria lá para receber o impacto. Se ele nao tivesse puxado aquele assunto, que levou ela a perguntar sobre a foto, ele não a teria dito que a foto estava na mochila do banco de trás, logo, não teria tirado o cinto. Enquanto caia ele pensou. E percebeu que todo acidente é na verdade uma cadeia de eventos interligados. Muita coisa tem que acontecer para que um acidente aconteça e ao perceber isso ele se arrependeu.

O pássaro estava ali, voando ao seu lado. Ele, enquanto caia, olhou para os olhos do pássaro e viu um brilho, o brilho de uma lágrima. Não era o pássaro, era ela que estava alí. E enquanto o chão se aproximava ele pensou: - Não chore, meu amor, eu estou chegando.

Primeiro, veio um brilho muito intenso, tão intenso como ele nunca tinha visto.
Depois veio um baque. Um baque abafado, mas extremamente forte.
Finalmente o silêncio.
E nada mais.

*************************************************************

4 comentários:

  1. 'todo acidente é na verdade uma cadeia de eventos interligados.... Muita coisa tem que acontecer para que um acidente aconteça'
    é sim, são coisas inexplicáveis, é algo que mesmo tendo o máximo de atenção não pode ser previsto.

    parabéns pelo conto
    ta show (y)

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pela excelente obra, sou um apreciador de contos, ganhei até o apelido de Mr.Contus por isso e gostei muito dessa história. Você conseguiu falar de um tema de uma forma que ele ficasse meio escondido na historia. O tempo e as possibilidades. Muito bom mesmo.

    ResponderExcluir
  3. Valeu, amigos. Fico feliz que tengham gostado. Esse tema sempre me fascinou.

    Confesso que desde pequeno, sempre que algo atrasa meu caminho em alguns segundos eu fico observando as coisas ao meu redor, tentando imaginar o que aconteceria se aquele atraso não tivesse acontecido. :)

    ResponderExcluir
  4. Parabéns,são poucos os que conseguem escrever sobre um tema como suicídio abordando de forma coerente e clara os sentimentos confusos que antecedem o ato em si. Apesar de ser um tema pesado você escreveu com leveza, realmente adorei, espero ter o prazer de ler mais textos teus.

    Beijo,

    Izabel Fonseca

    ResponderExcluir